quarta-feira, maio 04, 2011

animais domésticos



era uma vez três porquinhos:
pedrito, palito e palhaço
pedrito e palito pouco me importam
mas veja só palhaço!
palhaço fez uma casa toda de palha
uma loba, de longe e de perto tão boa quanto má
desejou palhaço
e gritou:
“abre essa porta que eu vou derrubar”
palhaço, inocente como só ele,
pensou:
“quem tem medo da loba, má e boa,
de longe e de perto?”
a loba, impaciente, repetiu:
“eu mando e não peço, e vou decretar
se não me obedece vai tudo pro ar”
e palhaço, mais que depressa, obedeceu
“eu abro, eu abro”, disse palhaço
e palhaço abriu a porta
e a loba entrou
e a loba, tão boa quanto má
de bem longe e de muito perto
aproveitou-se da inocência de palhaço
e mandou tudo pro ar
e comeu vivo o porquinho
vagarosamente
sem dó
nem piedade
e era uma vez mais
felizes


terça-feira, maio 03, 2011

2 de maio




transformei-me
de um dia de sol de setembro
(ou seria de maio?)
em nada.
a chuva caiu. - Caiu? - perguntei
eu já não sentia nada.
nem mesmo as nuvens que cobriam o céu.
nem mesmo o calor de um verão tardio
(ou seria um inverno tardio?)

saio de casa temendo um tempo
que nem sei qual é.
visto uma camisinha xadrez.
porque sim.

um setembro. dia 10, dia 11, 30 dias. - O que é um mês? - perguntei
Wallace vitorioso, edita-se o AI-5, Allende morto, 
tantas coisas importantes,

E eu aqui.
tremendo como um menino
ante um dia como outro qualquer.
dou um nome a esse medo? a esse dia?
digo o nome dessa Mulher?


segunda-feira, maio 02, 2011

copo-nus



hoje, às 08:35 da manhã, vi um copo sobre a mesa.
a mesa não me lembrou nada
(lembou-me você, meu amor, que é nada e o oposto de nada).

o copo me lembrou uma certa filosofia tao
que tal como outras
orientações
voa baixo - sem roçar - pelo entorno
do vidro ou do plástico ou da porcelana ou da pedra ou do barro
do copo
e toca no nada
no nada fora e
no nada dentro
do copo.

nada fora do copo estamos o mundo
nada dentro do copo está
o ser-copo, o copear,
nada dentro do copo onde e de onde se entornam
ou habitam, ou vivem
águas, cafés, leites, sucos, cervejas e champanhes
e nós, o mundo, sorvemos
de dentro (do copo) pra dentro (do mundo)
águas, cafés, leites, sucos, cervejas e champanhes.

nós, cá fora, nós, o mundo,
também somos copo
também copeamos
e ao copo voltaremos
quando a sede implora sorvermos, entornarmos, habitarmos e vivermos.


domingo, maio 01, 2011

philosophia

eu não conheço física quântica eu não decifro a escrita sânscrita eu entendo pouco das leis trabalhistas nem mesmo lembro de toda notícia eu não compreendo economês eu não decoro o nome de alguns de vocês eu não consigo sequer imaginar como é a vida no fundo do mar eu ignoro o nome das capitais das ex-repúblicas soviéticas eu mal-mal estudei na escola a disciplina de estética pra mim é rigorosamente impossível explicar o funcionamento do lançamento de um míssil sou surdo em bem mais de noventa e nove vírgula nove por cento das línguas do orbe fatalmente eu me atrapalho com a maioria dos jogos de baralho prefiro nem tentar aprender a bordar, tricotar a cerzir e a cozer para matérias muito exatas sou um perfeito débil mental da estatística mais banal às agudezas baratas do cálculo diferencial eu não saberia precisar de posse dum calendário lunar em que terça-feira santa, meu bem, cai a páscoa do ano que vem

e ainda assim
o mundo é claro pra mim
sei que ela é o meu amor
sei, sobretudo, que amo
e a felicidade sabe-se
muito bem